“Eu não posso perdoar, senão ele vai voltar a fazer o mesmo.” Mas, será que “perdoar” é sinónimo de “permitir”?
No mundo cristão, é muito comum confundir-se “dar a outra face” com “permissividade”. Eu não creio, de todo, que o dar a outra face tenha a ver com permitir, pactuar ou encorajar o mal.
Conceito de preto ou branco
Este conceito, de tudo ou nada, agrava muito a nossa tendência natural para a auto-cegueira e leva-nos a ter precisamente essa atitude, de tudo ou nada. Ou seja, perante uma ofensa, ou dás a outra face, compreendes, desvalorizas e finges que não vês atitudes que podem estar a ser muito graves ou, pelo contrário, adoptas a atitude de justiceiro e legalista, criando um clima de cobrança e punição que pode arrastar-se sem fim.
Perdão não é permissão!
Em algumas situações graves, por exemplo de violência doméstica (em que há uma noção de fidelidade bastante distorcida), tenho visto a atitude de aceitar, de se resignar, mais uma vez de usar a noção de espírito cristão de forma pouco saudável… e pouco cristã. Quando alguém decide que vai submeter-se a uma situação destrutiva, normalmente está a ignorar completamente o impacto que isso irá ter sobre outros. Neste caso, ao permitir, está a tornar-se cúmplice da atitude do ofensor.
Então, nós somos chamados a perdoar mas, por outro lado, a não facilitar ou mesmo a não permitir a continuação do mal. Ou seja, é preciso perdoares a ofensa que te fizeram, mas não deves permitir que isso volte a acontecer. Muitas situações exigem que se dê passos específicos nesse sentido.
Quando usar assertividade?
Em situações que continuem a repetir-se, pode ser necessário agir de forma a mudar isso. Também quando outras pessoas estão a ser prejudicadas, principalmente pessoas que não podem defender-se a si próprias, como é o caso de crianças ou idosos. Este meu comentário pode parecer estranho ou exagerado, mas a verdade é que, em muitas das situações que não são resolvidas e mudadas, há crianças a serem negativamente afectadas ou mesmo abusadas. E, como todos sabemos, a maioria das atitudes que nos magoam ou maltratam, acontecem dentro da própria família.
No índice dos artigos deste site, podes encontrar alguns sobre comunicação / assertividade e sobre bullying, que te ajudarão a perceber um pouco melhor o impacto que comportamentos negativos podem ter sobre outros e como agir nessas situações.
E quando é difícil?
Aqui eu diria que, se não é difícil, nem sequer é preciso pensar em perdoar. Muito daquilo que nos acontece, apenas precisa de um “desculpa”, quando é algo leve, sem outras consequências, sem intenção de nos maltratar.
Quando falo em perdão, estou a referir-me àquela coisa que é difícil de fazer, que não é natural, que vai contra a nossa noção de justiça, qua vai contra o nosso próprio “eu”. É quando as nossas entranhas gritam que não é possível, qua nunca iremos conseguir ultrapassar aquela dor, que precisamos de lidar seriamente com esse assunto.
Ofensa imperdoável?
Muitos concordarão que há ofensas, maus tratos, demasiado graves para serem perdoados. Quanto a isso, eu gostaria de vos falar brevemente de Corrie Ten Boom. Ela esteve num campo de concentração durante a II Guerra Mundial. Depois da guerra acabar, ela voltou à Alemanha.
Um dia em que estava a falar sobre perdão, um homem destacou-se da plateia e aproximou-se dela. Ela reconheceu-o imediatamente como um dos guardas mais cruéis do campo onde ela tinha estado. Sem a reconhecer (ele tinha colaborado no massacre de milhares de mulheres) ele pediu-lhe que ela lhe perdoasse as atrocidades que ele tinha cometido antes de se tornar cristão. Nesse momento de dor inimaginável, Corrie entendeu o verdadeiro significado do perdão.
Na net, podes facilmente encontrar muita informação acerca de Corrie e do seu ministério, ou ler o seu livro “O Refúgio Secreto”. Vale a pena!
Só podes libertar-te da tua dor através do perdão. Não há outra saída possível. E quanto mais grave foi a situação, mais necessário é dares esses passos, de perdoares e te libertares desse fardo.
Mas lembra-te, perdoar não significa, de modo algum, permitires a continuação do mal. Abrires mão de uma “dívida” não deve tornar-te cúmplice de atitudes erradas.
Nos próximos artigos vou falar acerca do processo de perdoar, dos passos que podes dar nesse sentido.