Já te aconteceu sentires que estás fora do teu corpo, fora da tua realidade naquele momento, e tudo te parecer estranho, como se estivesses a ver um filme?
Muitas pessoas experimentam esta sensação, que às vezes se repete com alguma regularidade. E na maioria das pessoas isso não tem qualquer problema; pode ser apenas incómodo ou inquietante.
Uma doença?
No entanto, algumas destas pessoas perdem essa noção de realidade de forma mais intensa, mais prolongada ou mesmo perigosa (no próximo artigo vou falar acerca dos riscos). E é para estas pessoas que surge o diagnóstico de despersonalização.
Aqui, acho que é muito importante lembrarmos como são feitos os diagnósticos em psiquiatria. Eles não são feitos como nas outras especialidades, em que através de análises ou exames se pode observar algum tipo de lesão ou alteração no corpo físico da pessoa. Pelo contrário, são feitos através da observação de características ou sintomas, que permanecem ao longo de determinado tempo.
Isto significa que um diagnóstico de despersonalização não significa que o corpo (ou o cérebro) da pessoa esteja doente. Apenas há um conjunto de sintomas, que podem ser graves e colocar a vida da pessoa em risco, sem dúvida, mas que mostram não uma “doença” mas uma disfunção, algo que o cérebro da pessoa faz e que não devia fazer. Esta distinção é fundamental para o tratamento deste problema.
Sintomas
A despersonalização tem sintomas bem específicos. Vamos ver alguns:
- Há uma forte sensação de ser 1 observador externo, de estar fora do seu corpo a observar-se.
- Um distanciamento do próprio corpo ou da mente, podendo perder a noção do que está a sentir.
- Forte sensação de que tudo o que o rodeia é irreal ou artificial.
- Ficar em dúvida se algumas das coisas realmente aconteceram e ele as vivenciou, ou se foi apenas imaginação.
- Por vezes, não saber qual das duas realidades ( a sua realidade, que está a viver ou a que o seu cérebro está a criar) é a verdadeira.
- Forte sensação de estranheza.
- O corpo pode “fazer coisas” sozinho. Por exemplo, avançar em relação a uma situação de perigo sem ele se ter apercebido, ficar sobressaltado ao perceber que está mesmo à beira do abismo sem saber como ali chegou.
Como surge?
Em algumas pessoas surge de forma gradual; é algo que lhes vai acontecendo e vai aumentando de intensidade até se tornar preocupante. Outras pessoas têm um primeiro episódio muito forte, em que sentem que perderam completamente a noção de si e da realidade.
Estes episódios podem durar apenas uns minutos ou ser muito mais prolongados e mais graves – não é suposto o nosso cérebro estar tanto tempo ou com tanta frequência nesse “mundo de mentira”; a nível neurológico, isso vai criando um hábito, um padrão, aumenta a tendência para repetir, aumenta a dificuldade em acreditar que é mentira.
Qual a causa?
Na realidade, não se sabe a causa. Este problema pode acontecer a qualquer pessoa, mas eu tenho-o encontrado principalmente em jovens. Pode surgir no decorrer de determinadas situações, por exemplo períodos de stress muito intenso ou consumo de drogas, mesmo “leves”. No entanto, eu creio que estas situações são, não tanto a causa do episódio, mas o trigger, o factor que o desencadeou.
O que acontece com estas pessoas, com estes jovens, é que o cérebro deles às vezes cria uma outra realidade, disfuncional. Não é uma “lesão” no cérebro, mas uma “avaria” na forma como ele funciona.
Nos próximos artigos vou falar acerca de riscos e do tratamento em counselling.