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Durante os episódios de despersonalização, a pessoa não tem controlo sobre si própria. É como se o cérebro deixasse de estar vigilante, ficando em piloto-automático e à deriva num mundo irreal, mas mantendo o corpo físico a funcionar no mundo real.

Sei que parece confuso e muitas pessoas desvalorizam este problema achando que não é nada, que são só os pensamentos desarrumados e a pessoa (normalmente o jovem) tem é que “atinar” e pronto. Mas essa realidade pode não ser assim tão fácil de gerir para quem nela está. Deixa-me partilhar alguns dos casos com que tenho trabalhado, para perceberes melhor a gravidade do problema.

 

Casos

Apesar de todos estes serem casos reais com que trabalhei, tanto os nomes como detalhes que possam permitir identificar essas pessoas foram alterados.

 

Os pais do Manuel procuraram-me muito preocupados. Ele estava a ter umas crises estranhas em que ficava fora da realidade. Levaram-no a vários psiquiatras e neurologistas. O diagnóstico repetia-se: despersonalização. O prognóstico: sem cura. O tratamento: medicação psiquiátrica.

O Manuel não queria suicidar-se, mas tinha um medo terrível de que isso pudesse acontecer durante uma das suas crises. A preocupação dos pais era agravada por já ter havido, há uns anos, um suicídio completamente inesperado e inexplicável na família.

Durante os episódios, era como se os pés do Manuel começassem a andar sozinhos, em direção ao precipício. Ele vivia com pavor de lugares altos, como janelas ou varandas. Evitava ao máximo esse tipo de lugares. Às vezes, “despertava” em sobressalto de uma das crises já quase à beira de cair.

 

O tema de risco da Susana eram os comboios (que ela precisava de usar todos os dias). Desde que começou a ter crises de despersonalização, quando o comboio se aproximava, ela sentia algo poderoso dentro de si a puxá-la para se atirar para debaixo dele. Tinha medo de que, durante uma crise, isso viesse mesmo a acontecer.

Para reduzir o risco, ficava encostada à parede de trás da estação, com as mãos apoiadas na parede, e só avançava quando o comboio já estava parado e com as portas abertas.

 

O Samuel, quando começaram as crises de despersonalização, passou a ter problemas sérios com objetos cortantes, como facas. O impulso que de vez em quando surgia dentro de si, repentino e inesperado mas poderoso, era de espetar a faca noutra pessoa que estivesse ali ao pé. Ele era muito sociável e gostava de cozinhar para os amigos, mas quase deixou de o fazer, com medo de que pudesse mesmo acontecer algo terrível.

 

Comecei a trabalhar com o Daniel pouco depois de ele assistir à morte de um amigo. Estavam numa casa nas montanhas a passar o fim de semana, um pequeno grupo de jovens amigos. Depois do jantar, um deles pegou numa faca e cortou a garganta. No drama que se seguiu, ele suplicou aos amigos que o ajudassem porque não queria morrer. Quando chegaram os socorros, ele já estava morto.

Nas semanas e meses que se seguiram, vários deles lembraram detalhes estranhos no comportamento desse amigo ao longo dos últimos meses, como se ele estivesse a evitar coisas (facas e outras) que tivessem passado a parecer-lhe perigosas. No entanto, ele nunca falou desse problema com ninguém nem procurou ajuda.

 

Eu creio, fortemente, que a maioria dos suicídios que acontecem, não são intencionais. Algumas disfunções emocionais ou mentais, podem levar a pessoa a dar um passo sem retorno, por exemplo quando o seu cérebro está desligado da realidade. Nestes casos que eu partilhei, podes perceber como é fácil isso acontecer.

 

Nem todos os casos de despersonalização têm o tema de risco tão definido como estes. Na maioria, os temas são mais vagos e vão mudando, o que torna mais difícil tomar precauções.

 

Riscos

O maior risco, nestes casos, é o suicídio, apesar de não haver essa intenção da parte destes jovens. No entanto, é um risco real, algo que pode acontecer.

Outro risco, é ter um surto psicótico, uma destas “ausências” mais prolongada e grave, que frequentemente leva a hospitalização e medicação psiquiátrica mais pesada. Muitos destes jovens acabam por ficar com diagnóstico psiquiátrico e dependentes de medicação para o resto da vida. Os seus projetos de vida, estudos, carreira, ficam pelo caminho ou muito aquém do que poderiam ter sido se eles tivessem uma vida “normal”.

 

Apesar de grande parte dos especialistas de neurologia e psiquiatria acreditarem que despersonalização não tem cura, em counselling acreditamos que estas pessoas podem ser treinadas a gerir o que se passa no seu cérebro e a ultrapassar completamente este problema. No próximo artigo vou falar de como funciona a nossa abordagem.