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“Ele só a trata assim, porque ela permite.” Mas… será que é assim tão simples?

A vítima não tem culpa da situação; no entanto, tem características muito próprias.

 

As outras pessoas, quando têm alguma noção do que se passa, não conseguem perceber como ele/a permite e se mantém naquele tipo de relação. Mas este “não fazer sentido” é uma das características de base na violência doméstica.

 

Auto-cegueira

O processo, na vítima, de se aperceber que está a viver uma situação de abuso, é terrível. Isso vai mexer profundamente com os aspectos mais sensíveis da sua relação — o reconhecer, aceitar, convencer-se, que a pessoa que está ao seu lado (e que devia ser o seu “ajudador”) é o seu agressor; que os criminosos não estão lá fora e ela não fecha a porta à chave para se proteger deles… o criminoso está na sua casa, na sua cama, e ela está trancada lá dentro, com ele e à mercê dele. Tomar consciência deste facto é algo terrível, dramático e, frequentemente, visto pela vítima como uma traição (que pessoa horrível que ela deve ser para pensar tal coisa do seu parceiro!).

Este processo de perceber o que realmente se está a passar pode ser muito demorado. É comum a vítima ir acreditando em vários “diagnósticos” ao longo dos anos. Por exemplo, começar por aceitar que as cenas que ele faz de vez em quando (e de que depois se “arrepende”) são causadas pelos traumas de infância, o pai ausente ou maltratador, ou a mãe muito dominante; depois vir a acreditar que ele tem depressão, que é bipolar ou qualquer outro transtorno; que é incompreendido e maltratado pela sociedade e por isso às vezes “se passa”, etc. Muitas pessoas vivem uma situação de violência psicológica de extrema crueldade, e nunca chega a “cair a ficha”, nunca chegam a perceber que aquilo é abuso.

 

Sentido de ética

A vítima de VD, frequentemente, é uma pessoa com um forte sentido de ética. Isso tem um papel fundamental na dinâmica da situação. Não só faz com que ela tenha maior dificuldade em “trair” o seu parceiro, pensando ou falando acerca do “abuso”, como vai aumentar a sua capacidade e disposição para “aguentar”.

Esta noção de ética é bastante apreciada pelo agressor, porque lhe facilita a vida. Ele tem muito menos trabalho para enganar e controlar este tipo de vítima.

 

Culpa e vergonha

Estas são duas características sempre presentes em cada vítima de VD, seja mulher seja homem — a sensação constante de que é culpada da agressão (mesmo que não perceba porquê) e a vergonha de que as outras pessoas possam saber o que se passa. Estes aspectos tornam muito mais difícil qualquer atitude para mudar a situação ou procurar ajuda e por isso são fortemente incentivados pelo agressor.

 

E quando a vítima é o homem?

Muitos são os casos (muito mais do que se pensa) em que a vítima não é a mulher mas sim o homem. Nestes casos, há uma dificuldade ainda maior em falar ou procurar ajuda, pela forma como normalmente são ridicularizados — um homem que deixa que a mulher lhe bata!!! – No entanto, a grande maioria das situações não tem a ver com agressão física, mas verbal, psicológica, com todo o tipo de jogos de manipulação, culpabilização, chantagem, rezinguice, etc. etc.

Nos homens vítimas de VD, o sentido de ética pode determinar toda a situação — ele é o homem que não iria abandonar os filhos (o mais comum ainda é o tribunal entregar os filhos à guarda da mãe), que não está disposto a falar abertamente das atitudes que ela tem, que acredita que se ele a deixasse ela iria ficar muito mal, em depressão, sem sustento, etc.

 

Motivo de inveja

Como vimos anteriormente, uma das características do agressor é a inveja. E na maioria das situações, a vítima tem capacidades superiores ao seu agressor. Isso pode ser visível como, por exemplo, ela ter mais estudos ou um trabalho e ordenado muito melhores que o dele, ou ser algo subtil e já tão esmagado por ele que nem se nota. Ele cobiça o “brilho” que ela tem e vive como um parasita, devorando-a a ela e ao seu brilho e fazendo tudo para eliminar esse brilho e a consciência que ela possa ter dele. Isso faz com que a maioria das vítimas tenha uma auto-imagem muito distorcida e com baixa consciência das suas próprias capacidades.

No entanto, tenho encontrado muitas vítimas de VD que, no trabalho, são mulheres de sucesso e têm consciência disso; têm cargos importantes, lideram equipas e usam as suas capacidades com auto-confiança. Mas em casa a realidade delas é muito diferente. Como me dizia uma cliente minha, que é uma das diretoras numa grande multinacional, “Eu consigo liderar uma reunião numa sala cheia de homens, sem qualquer dificuldade mas, quando ponho a chave na fechadura da minha casa, transformo-me noutra pessoa, num destroço.”

Esta vida dupla existe nas pessoas que começaram a fazer carreira antes de encontrarem o seu agressor e que, de alguma forma, vão conseguindo manter (muitas vezes é esta carreira brilhante dela que o sustenta a ele e aos seus vícios, preguiça, etc).

 

Inércia programada

A vítima, por sistema, não faz nada para mudar a sua situação. Algumas acreditam que ele é mesmo assim, que não consegue mudar e que as atitudes negativas dele são devidas aos seus traumas passados; outras, pelo contrário, vivem na crença de que ele vai mudar (um dia!). Quase todas acreditam que ele as ama e que quer o bem delas. Esta atitude de inércia é “programada” nelas pelo agressor, através do seu papel de “coitado”, da ideia de que ela queixar-se é uma traição, e de toda uma série de jogos que eles fazem de maneira sistemática e intencional, muitas vezes usando extremos, momentos de crueldade que alternam com outros de “carinho”, para as manter num estado de confusão mental e dependência que as impede de tomar alguma atitude.

 

Sinais de morte

Nos casos mais graves, as vítimas apresentam aquilo a que Dan Allender chama “sinais de morte”. Podem ser situações de ruptura emocional, como depressão, ou mesmo física, como cansaço extremo ou anemias graves sem causa aparente. É muito comum a confusão mental e desorientação, em que a vítima acredita em inúmeras mentiras (que ela é a culpada da situação, que trata mal os filhos, que não pode viver sem ele, etc). Em alguns casos, surgem situações de cancro (este tem uma incidência muito mais elevada em mulheres vítimas de maus tratos emocionais).

 

Repetição

Este é um dos aspectos que eu considero mais grave em VD — a altíssima probabilidade de a vítima que consegue livrar-se da sua situação, voltar a entrar noutra igual ou pior. Uma vítima de VD desenvolve uma imagem interior que, apesar de não ser percebida pelas pessoas comuns, é rapidamente detectada por um agressor. Uma pessoa que já foi “treinada” por um agressor, quase de certeza vai ser apanhada por outro (eles parecem ter uma predileção por estas pessoas).

É importante lembrar que o agressor adora fazer o papel de “ajudador”. Uma pessoa ferida, fragilizada e vulnerável, que acabou de sair de uma situação de abuso, para além de ser mais fácil de ludibriar, é um alvo irresistível para ele. Aliás, eles gostam de “ajudar” mesmo quem ainda está numa situação de VD, fazendo o papel de “amigo” que a compreende, e tornando a situação dela ainda mais grave. Na verdade, ele é a pessoa que melhor pode compreender toda a situação que ela está a passar, uma vez que ele próprio é um agressor e conhece bem essas estratégias. Só que o papel dele nunca vai ser de ajuda; apenas de se aproveitar da fragilidade e confiança dela.

Alguns conseguem mesmo infiltrar-se em projetos de luta contra a VD, como parte das equipas, com a gravidade óbvia deste tipo de situação (já tenho trabalhado com voluntários de projetos contra a VD, que são alvo de atos de bullying graves por parte de outra pessoa dentro do projeto).

No trabalho com vítimas de VD, sejam mulheres sejam homens, um dos aspectos fundamentais é “apagar” esta imagem interior para quebrar esse ciclo e impedir que outros agressores voltem a controlá-los.

 

Filhos

Mesmo quando estes não são as vítimas diretas da agressão, o simples facto de crescerem num ambiente em que a mãe ou o pai é maltratado (e mesmo que não percebam isso como abuso), leva ao desenvolvimento de traumas e marcas que os acompanham até na idade adulta. Há uma maior tendência para depressão, para medos e fobias, para vícios. Muitos têm dificuldade nos relacionamentos, quer pessoais quer de trabalho, com maior tendência para conflitos e para desenvolver agressividade. Muitos acabam de novo em relações de abuso, desempenhando o papel de agressor ou o de vítima.

 

Porque é que a vítima não faz nada?

Na maioria dos casos, porque não percebe que a situação em que está é de abuso, porque não identifica a gravidade do que está a acontecer. Mas também por medo, por vergonha, por dependência.

 

Não cales!

Quando permites abuso sobre ti, estás a ser cúmplice também de abuso sobre outros.

Se estás a viver uma situação de abuso, deves procurar ajuda. Não há qualquer mérito em proteger um agressor.

Se tens dúvidas acerca da relação que estás a viver, contacta-nos. É possível confirmar se realmente é uma situação de VD ou não.